A DOR E A DELÍCIA DE SER DA PROVÍNCIA
(Lívio Oliveira)
Nasci nesta cidade iluminada do Natal, no ano já distante de 1969; portanto, já havia ficado para trás “o ano que não terminou”, de que todos tanto se lembram hoje. Para mim, 1968 (um ano que possui um dono chamado Zuenir) estava já bem terminadinho e o meu ano, um 69 bem feitinho – tenho mesmo que me resignar–, não seria, assim, tão lembrado. Apesar disso, foi nele em que a missão Apollo 11 pousou na superfície lunar, em um local que sei-lá-quem chamou de “Sea of Tranquility” (Mar da Tranqüilidade). Os loucos astronautas Neil Armstrong e Edwin Aldrin tornavam-se os primeiros humanos (Marcelus Bob ainda não havia inserido seus “humanóides” no quadro) a caminharem no queijo suíço do satélite natural da Terra: “Um pequeno passo para um homem, mas um gigantesco salto para a humanidade”!
O curioso é que o meu primeiro choro, na Policlínica do Alecrim, deu-se durante um outro acontecimento, no mínimo interessante, no mínimo tão excitante: era o segundo dia do mítico festival pacífico e amoroso de Woodstock, que reunia mais de 400 mil sonhadores numa fazenda de 103 hectares em Bethel, Nova York, EUA. Portanto, aquele povo alucinado estava longe, bem longe desta amável província para a qual eu abria, desavisadamente, os olhinhos. Minha lívida mãe, assim, podia me entregar ao mundo com mais tranqüilidade (só não sei se por aqui já havia carros com as portas abertas e os sons de megawatts ligados e se ela teve que suportar, no leito do meu nascimento, o som estridente de alguma banda de forró-brega ou dupla sertaneja ou dança do créu ou qualquer dessas “belezas”!).
Joan Baez (como parecia, meu Deus, com uma minha vizinha belíssima, irmã mais velha do meu primeiro amor de infância, nos anos que viriam!) concluía, com sua voz de canário, no amanhecer do dia 16 de agosto, um set de cinco canções, cantando, por derradeiro, "We Shall Overcome". Naquele sábado ainda se apresentariam os principais artistas psicodélicos e os roqueiros do festival, dentre eles Santana, Janis Joplin, The Who, Creedence Clearwater Revival, Jefferson Airplane e outros malucos. Acredito, hoje, que os meus berros devem ter sido bem mais altos dos que os de Janis, uma de minhas cantoras preferidas. Afinal, não sabia e, talvez ainda não esteja hoje muito decidido, se queria mesmo vir para o lado de cá.
Devo frisar que muitos desses e outros heróis que tive (é verdade que o Woodstock me trouxe os primeiros heróis, já quando eu nascia!) morreram, mesmo, de overdose. Dentre eles, o próprio autor da frase imitada, Cazuza, ícone dos 80, cantor e poeta desaparecido por excesso de sonhos e desejos [lembro-me de ter faltado a uma aula daqueles dias, no católico Colégio das Neves, para ver um show do então vocalista do Barão Vermelho no saudoso (?) Palácio dos Esportes].
Viriam, no decorrer dos meus quase quarenta anos, diversos ídolos, diversas ilusões, todas e todos mortos, em mim ou no mundo. Viria Elvis, “The Pelvis”, quem eu quis ser um dia, imitando-o aos dez anos (Elvis havia morrido no dia do meu oitavo aniversário). Viria Renato Russo. Viria Elis, viriam todos para mim, para o meu conhecimento. Viriam até Mussum e Zacarias, já que a vida precisava de um sorriso e, nela, já se instalavam muitos outros palhaços.
Jamais me pacifiquei e, por isso, depois, descobri Augusto dos Anjos, Fernando Pessoa, Fernando Sabino, José Lins do Rego, Lorca, Manuel Bandeira, Proust, Walt Whitman...Descobri Piaf, Montand, Aznavour. Também me apercebi da existência anterior sobre a terra de Billie, Ella, Monk, Mingus e Miles; de Fellini, Buñuel, Bergman, Brando e Brigitte. Perdi-me, de vez, entre os sonhos que jamais me deixariam quieto e o tempo começava a passar rápido, rápido. Eu teria que correr, sempre, como Lola, ou um Forrest Gump desesperado! Deixava de ter ídolos e meus únicos mitos se tornariam duas cidades: Natal (que eu sempre conheci muito, muito bem!) e Paris (que ainda não conheço!).
Lembro-me de muitas coisas e experiências e – óbvio – a maior parte daquelas mais consistentes e inconseqüentes se passou na infância e na adolescência, quando brincava no sadomasoquista “garrafão” ou de “31, Alerta!” e guerra de mamona nas ruas do Barro Vermelho; quando pulava o muro do quintal de minha tia para furtar frutas; quando quase me dei mal várias vezes; quando me iniciei em quase tudo; quando caí da mangueira ou quando fui atropelado ou quando...quase a história se encerrava! Hoje, ando por aqui, meio desiludido com muita coisa, muita gente; ainda iludido com tantas outras.
Com o sol na cabeça (belo, Lô!), sou sabedor (sou quase um profeta, um clarividente!) de, por exemplo, quem estará à frente de nossas instituições culturais no ano que entra e no outro e no outro. Duvida? Além disso, sei já de outras dez cositas: 1. A nossa política é como as outras; 2. Nossas praias são mais belas que todas e nossas mulheres não tanto quanto as de Buenos Aires; 3. A refinaria nunca vem; 4. As medidas pluviométricas são as principais notícias dos jornais; 5. Nossa água está mais suja e alguém lava a égua; 6. Temos muitos carros nas ruas; 7. Temos muitas ruas sem árvores; 8. Temos poucos becos e muita lama; 9. Somos incultos, mas não parecemos (as únicas exceções à vida inculta desta vila poderiam ser Luís Cascudo e Luís Guimarães e Zila e Sanderson e Patriota, o Nelson germanista, e João Batista e Zé do Beco e outros poucos? Sim, e outros, mas mui poucos); 10. Vivemos sob um refinado, digo, digo assim, um reinado de poucas famílias, em folias e dutos por onde vazam nossos sonhos, escorrendo um óleo negro, um leite azedado, e gafanhotos se lambuzam no mel.
Aqui, amigos, irmãos, aqui é o lugar onde um cínico não vive num barril, mas numa academia...de musculação! Aqui, não há muitos santos, nem muitos Pedros ou Paulos, mas há tantos Judas! Mas, não pense, você que me lê, que eu acredito em tudo isso, que eu seja um poço de pessimismo ou amargor! Na verdade, mesmo, mesmo, eu me esforço é para desacreditar (sou, em verdade, um otimista como se pode notar!), pois aí verei que vivo num paraíso, tão cheio de querubins, de anjos cantores e cantadores cristalinos, de artistas, intelectuais, políticos sérios, e...poetas vaticinadores de um mundo melhor em que, às vezes, poderei deitar e conseguirei dormir!
(Lívio Oliveira)
Nasci nesta cidade iluminada do Natal, no ano já distante de 1969; portanto, já havia ficado para trás “o ano que não terminou”, de que todos tanto se lembram hoje. Para mim, 1968 (um ano que possui um dono chamado Zuenir) estava já bem terminadinho e o meu ano, um 69 bem feitinho – tenho mesmo que me resignar–, não seria, assim, tão lembrado. Apesar disso, foi nele em que a missão Apollo 11 pousou na superfície lunar, em um local que sei-lá-quem chamou de “Sea of Tranquility” (Mar da Tranqüilidade). Os loucos astronautas Neil Armstrong e Edwin Aldrin tornavam-se os primeiros humanos (Marcelus Bob ainda não havia inserido seus “humanóides” no quadro) a caminharem no queijo suíço do satélite natural da Terra: “Um pequeno passo para um homem, mas um gigantesco salto para a humanidade”!
O curioso é que o meu primeiro choro, na Policlínica do Alecrim, deu-se durante um outro acontecimento, no mínimo interessante, no mínimo tão excitante: era o segundo dia do mítico festival pacífico e amoroso de Woodstock, que reunia mais de 400 mil sonhadores numa fazenda de 103 hectares em Bethel, Nova York, EUA. Portanto, aquele povo alucinado estava longe, bem longe desta amável província para a qual eu abria, desavisadamente, os olhinhos. Minha lívida mãe, assim, podia me entregar ao mundo com mais tranqüilidade (só não sei se por aqui já havia carros com as portas abertas e os sons de megawatts ligados e se ela teve que suportar, no leito do meu nascimento, o som estridente de alguma banda de forró-brega ou dupla sertaneja ou dança do créu ou qualquer dessas “belezas”!).
Joan Baez (como parecia, meu Deus, com uma minha vizinha belíssima, irmã mais velha do meu primeiro amor de infância, nos anos que viriam!) concluía, com sua voz de canário, no amanhecer do dia 16 de agosto, um set de cinco canções, cantando, por derradeiro, "We Shall Overcome". Naquele sábado ainda se apresentariam os principais artistas psicodélicos e os roqueiros do festival, dentre eles Santana, Janis Joplin, The Who, Creedence Clearwater Revival, Jefferson Airplane e outros malucos. Acredito, hoje, que os meus berros devem ter sido bem mais altos dos que os de Janis, uma de minhas cantoras preferidas. Afinal, não sabia e, talvez ainda não esteja hoje muito decidido, se queria mesmo vir para o lado de cá.
Devo frisar que muitos desses e outros heróis que tive (é verdade que o Woodstock me trouxe os primeiros heróis, já quando eu nascia!) morreram, mesmo, de overdose. Dentre eles, o próprio autor da frase imitada, Cazuza, ícone dos 80, cantor e poeta desaparecido por excesso de sonhos e desejos [lembro-me de ter faltado a uma aula daqueles dias, no católico Colégio das Neves, para ver um show do então vocalista do Barão Vermelho no saudoso (?) Palácio dos Esportes].
Viriam, no decorrer dos meus quase quarenta anos, diversos ídolos, diversas ilusões, todas e todos mortos, em mim ou no mundo. Viria Elvis, “The Pelvis”, quem eu quis ser um dia, imitando-o aos dez anos (Elvis havia morrido no dia do meu oitavo aniversário). Viria Renato Russo. Viria Elis, viriam todos para mim, para o meu conhecimento. Viriam até Mussum e Zacarias, já que a vida precisava de um sorriso e, nela, já se instalavam muitos outros palhaços.
Jamais me pacifiquei e, por isso, depois, descobri Augusto dos Anjos, Fernando Pessoa, Fernando Sabino, José Lins do Rego, Lorca, Manuel Bandeira, Proust, Walt Whitman...Descobri Piaf, Montand, Aznavour. Também me apercebi da existência anterior sobre a terra de Billie, Ella, Monk, Mingus e Miles; de Fellini, Buñuel, Bergman, Brando e Brigitte. Perdi-me, de vez, entre os sonhos que jamais me deixariam quieto e o tempo começava a passar rápido, rápido. Eu teria que correr, sempre, como Lola, ou um Forrest Gump desesperado! Deixava de ter ídolos e meus únicos mitos se tornariam duas cidades: Natal (que eu sempre conheci muito, muito bem!) e Paris (que ainda não conheço!).
Lembro-me de muitas coisas e experiências e – óbvio – a maior parte daquelas mais consistentes e inconseqüentes se passou na infância e na adolescência, quando brincava no sadomasoquista “garrafão” ou de “31, Alerta!” e guerra de mamona nas ruas do Barro Vermelho; quando pulava o muro do quintal de minha tia para furtar frutas; quando quase me dei mal várias vezes; quando me iniciei em quase tudo; quando caí da mangueira ou quando fui atropelado ou quando...quase a história se encerrava! Hoje, ando por aqui, meio desiludido com muita coisa, muita gente; ainda iludido com tantas outras.
Com o sol na cabeça (belo, Lô!), sou sabedor (sou quase um profeta, um clarividente!) de, por exemplo, quem estará à frente de nossas instituições culturais no ano que entra e no outro e no outro. Duvida? Além disso, sei já de outras dez cositas: 1. A nossa política é como as outras; 2. Nossas praias são mais belas que todas e nossas mulheres não tanto quanto as de Buenos Aires; 3. A refinaria nunca vem; 4. As medidas pluviométricas são as principais notícias dos jornais; 5. Nossa água está mais suja e alguém lava a égua; 6. Temos muitos carros nas ruas; 7. Temos muitas ruas sem árvores; 8. Temos poucos becos e muita lama; 9. Somos incultos, mas não parecemos (as únicas exceções à vida inculta desta vila poderiam ser Luís Cascudo e Luís Guimarães e Zila e Sanderson e Patriota, o Nelson germanista, e João Batista e Zé do Beco e outros poucos? Sim, e outros, mas mui poucos); 10. Vivemos sob um refinado, digo, digo assim, um reinado de poucas famílias, em folias e dutos por onde vazam nossos sonhos, escorrendo um óleo negro, um leite azedado, e gafanhotos se lambuzam no mel.
Aqui, amigos, irmãos, aqui é o lugar onde um cínico não vive num barril, mas numa academia...de musculação! Aqui, não há muitos santos, nem muitos Pedros ou Paulos, mas há tantos Judas! Mas, não pense, você que me lê, que eu acredito em tudo isso, que eu seja um poço de pessimismo ou amargor! Na verdade, mesmo, mesmo, eu me esforço é para desacreditar (sou, em verdade, um otimista como se pode notar!), pois aí verei que vivo num paraíso, tão cheio de querubins, de anjos cantores e cantadores cristalinos, de artistas, intelectuais, políticos sérios, e...poetas vaticinadores de um mundo melhor em que, às vezes, poderei deitar e conseguirei dormir!
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