segunda-feira, 14 de maio de 2007

Rio Grande dos Nórdicos

Reportagem publicada pela Revista Veja.

Rio Grande dos nórdicos
E dos espanhóis, portugueses, até islandeses: europeus compram casas com certificado de sol
Sandra Brasil
Lailson Santos
Alseth e a mulher, Liv: uma casa, um apartamento e esforço para se integrar aos hábitos e à comida locais
Descobertas há cerca de uma década por europeus em férias, as praias do Nordeste deram um passo à frente na escala da fidelidade turística – é lá que espanhóis, portugueses, suecos e, principalmente, noruegueses estão comprando casas para passar o verão. De todos os estados da região, o Rio Grande do Norte, com 400 quilômetros de praia e 300 dias de sol por ano, é o mais procurado e, conseqüentemente, o que mais tem a oferecer. Nos últimos três anos, foram construídos mais de trinta pequenos condomínios para atender à demanda européia. Agora é a vez dos grandes: nos próximos quatro anos, dos 5,7 bilhões de reais de investimentos privados em turismo previstos para o Rio Grande do Norte, mais de 2 bilhões serão destinados à construção de casas e apartamentos para estrangeiros. Seis empreendimentos de grande porte (veja o mapa abaixo) começam a entregar as primeiras unidades no ano que vem – se conseguirem as devidas licenças ambientais, uma área sempre sujeita a problemas. Os imóveis são, na maioria, confortáveis, mas sem luxos, destinados a famílias de classe média, felizmente o oposto do perfil dos viajantes interessados no execrável turismo sexual. A oferta, porém, já começa a se sofisticar, atraindo para sua divulgação nomes famosos como o ator espanhol Antonio Banderas e o jogador inglês David Beckham. O atleta veio na semana passada para fazer propaganda do Cabo de São Roque Resort, que será construído por um grupo de investidores noruegueses. O condomínio de 1.350 casas terá a primeira filial latino-americana da David Beckham World of Sport, escola de futebol e centro de treinamento do craque, que espera convencer times europeus a treinar lá no inverno. Tarefa definitivamente mais fácil do que ensinar aos estrangeiros como se diz o nome do município onde ficará o condomínio, Maxaranguape.
Canindé Soares/ABF
Beckham em Natal: escola de futebol e investimento
Na mão contrária das dificuldades lingüísticas, é impossível achar quem não tropece nos nomes do casal de noruegueses Torbjorn Alseth e Liv Reinholdt, mas a gentileza dos nórdicos e o calor local, em todos os sentidos, derretem barreiras. "Isto aqui é o paraíso para quem, como nós, vive perto do círculo polar, numa cidade onde durante seis meses por ano só se vê neve no chão e a temperatura chega a 20 graus negativos", compara o vermelho e simpático Alseth, 54 anos, gerente de plataforma de petróleo, que passa o verão no condomínio Recanto Zumbi, a 70 quilômetros de Natal, com a mulher, 53 anos, secretária. O casal procurou, achou e comprou sua primeira casa, em 2006, pela internet sem nunca ter posto os pés no Brasil. "Gostamos tanto que compramos um apartamento para os nossos filhos. E já trouxemos dois amigos", diz Alseth. Além do clima, o litoral do Rio Grande do Norte atrai europeus pela segurança relativa, em comparação com Rio de Janeiro e Bahia, e pela maior proximidade com a Europa. Os reflexos da ocupação européia estão por toda parte. As casas têm amplas janelas de vidro (as locais são de madeira) e, sempre, varandas bem grandes. "Os escandinavos são loucos por terraço. Gostam de passar o dia inteiro tomando banho de sol", diz o arquiteto Alexandre Abreu, dono de um escritório que hoje praticamente só trabalha com imóveis para estrangeiros.
Fotos Lailson Santos
Os aposentados Liv e Myhre, na sua casa na Praia da Pipa: "As pessoas daqui são muito amigáveis"
Abreu enumera outras mudanças construtivo-culturais: "Abolimos o chuveiro elétrico. Estrangeiros morrem de medo dele. O aquecimento da água tem de ser solar ou a gás. E abolimos o quarto de empregada". Também chama atenção a onipresença dos termômetros nas varandas, visto que os visitantes adoram checar a temperatura (e se maravilhar de ela ficar sempre entre 26 e 29 graus). Em Tibau do Sul, cidade perto do balneário de Pipa, Edilce Maria Rosa, dona de uma loja de moda praiana, exibe um estoque de biquínis G e GG. "Uns 90% do que vendo são nesses tamanhos. E elas ainda acham pequeno", ri. Também mudou o paradigma das sandálias de borracha: "Agora, quase tudo o que encomendo é 40, 42". Até o modesto fogareiro usado para assar queijo de coalho tem uma versão melhorada no carrinho dotado de minichurrasqueira, com cardápio em inglês (o.k., tem pequenos erros, mas já pensaram se fosse escrito em norueguês?). "Ninguém compra se os espetos não estiverem embalados um a um e se eu esquecer de levar o baldinho de lixo", conta Adílson Bezerra, que na alta temporada vende 110 espetos de queijo, carne, frango, lingüiça e camarão por dia.
Bezerra: carrinho com churrasqueira e espetinhos embalados um a um
"Gosto de tudo, menos do pão e do leite", diz a empresária norueguesa Lisbet Reppen, 50 anos, dona de uma casa na Praia do Zumbi. O holandês Harold Quittner, 55, divorciado, comprou há dois anos uma casa no condomínio Pipa Natureza, no litoral sul, onde passa longas temporadas. Já teve a carteira roubada e problemas com o idioma: "Levei dois dias para conseguir conectar meu celular porque a telefonista da operadora não falava inglês". Mas não se arrepende, como atestam o bronzeado e os cálculos: "Comprei minha casa por 110 000 euros e hoje ela vale 140 000". De modo geral, os novos veranistas se esforçam bastante para não viver em bolhas isoladas. "Estamos tentando aprender português, mas é muito difícil. Queremos poder conversar, porque todo mundo aqui é muito amigável", diz a norueguesa Liv Reithe, 67, que gosta de passear de bug-gy com o marido, o aposentado Tor Myhre, 69, pelas praias do litoral sul. A casa deles é uma das onze do condomínio Colina dos Noruegueses, no balneário de Pipa, construído em 1995 pelo empresário Morton Bjornstad, um pioneiro na descoberta dos encantos locais. As áreas onde os estrangeiros mais acusam o choque cultural são sempre as mesmas: o lixo à vista, as estradas de terra e a pobreza dos vizinhos. "É chocante entrar numa casa sem saneamento básico, onde os moradores estão sem comer", diz o arqueólogo português Manuel Cid, dono de um apartamento de dois quartos no litoral norte.
O holandês Quittner: satisfeito, apesar da carteira roubada
Segundo Marcelo Rosado, secretário estadual de Desenvolvimento Econômico, o movimento dos europeus para o Rio Grande Norte surgiu pelo mais antigo dos métodos de divulgação, a propaganda boca a boca. "Um turista foi chamando o outro e as vendas eram feitas para os conterrâneos", diz. No fim dos anos 90, o governo do estado passou a divulgar suas praias em feiras de turismo e também nas grandes feiras imobiliárias de Lisboa, Madri e Barcelona. "Um apartamento de três quartos em uma boa praia da Espanha não custa menos de 600 000 reais. Aqui, um imóvel do mesmo tamanho e qualidade custa entre 150 000 e 200 000 reais", compara Taritza Puggina, gerente comercial em Natal do grupo espanhol Nicolás Mateos, que construirá o Lagoa do Coelho Resort, no litoral norte. Jogadores brasileiros radicados na Europa identificaram a dupla oportunidade, como investidores e divulgadores. Ronaldo, do Milan, vai instalar uma escola de futebol no Grand Natal Golf; o colega Kaká, junto com um grupo italiano, lançou um complexo de quase 500 apartamentos na Praia de Ponta Negra, em Natal. Na mesma região, Pelé associou-se a uma construtora da Paraíba para erguer o sinteticamente chamado King’s Flat, com quarenta apartamentos e sua real pessoa como garoto-propaganda. A fama do Rio Grande do Norte como terra bonita, barata e ensolarada avança sobre novas fronteiras. O Palmeira Golf Resort, em Punaú, a 5 quilômetros do mar e de frente para uma área de lagos, que ainda nem foi oficialmente lançado, terá 2 069 casas e apartamentos para venda, prioritariamente, na Islândia.

 
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